domingo, 30 de agosto de 2009

Como piratas e enfermos - entre ideólogos e andarilhos, um abismo (.4)

"A minha causa não é nem o divino nem o humano, não é o verdadeiro, o bom, o justo, o livre, o cultural, o artístico, o moral, etc, mas exclusivamente o que é meu. E esta não é uma causa universal, mas sim... única, tal como eu."


Após tanta fraude e impostura, é reconfortante estar onde está um enfermo. Ele ao menos não engana aos outros nem a si próprio: seus princípios, se é que os têm, são encarnados; não gosta do trabalho e demonstra-o; como nada deseja possuir, cultiva o seu despojamento, condição de sua “liberdade”. O seu pensamento resolve-se no seu ser, e o seu ser no seu pensamento, a soma de suas relações. Falta-lhe tudo, é ele próprio, dura: viver imediatamente a eternidade é viver em um só dia. Por isso, para ele, os outros são presa da ilusão, mas de uma ilusão que contudo não é sua. Se depende deles, vinga-se observando-os, atento e conhecedor que é quanto ao reverso dos sentimentos ditos “nobres”. Piratas têm o olho furado, mas enxergam como corujas com o olho que lhes resta. Com os olhos que lhes restam, é melhor dizer. Enquanto muitos dormem, enfermos têm insônia, vale lembrar. A sua preguiça, de qualidade muito rara, faz de um pirata enfermo um ser fortemente “liberto”, perdido num mundo de gente tola e iludida. Vive a renúncia para além de qualquer obra esotérica (leia-se filosófica) que se valha. Para que vocês confirmem isso, basta saírem à rua. Mas não! Preferem os textos que falam sobre as ruas ou que pregam as enfermidades. Como nenhuma conseqüência prática acompanha as suas libertações, podemos dizer que o último dos seres errantes que ainda exista decerto faça algo mais do que vocês. Insurjem-se contra a generalização dos misticismos ocos, contra aqueles que, escorados numa doutrina que não emana do fundo da prática vivida ela mesma, ostentam a sua pretensa “salvação”. Desmascará-los, fazê-los descer do pedestal a que se alçaram, eis uma campanha à qual ninguém deveria ficar indiferente. Porque é preciso, a todo preço, impedir de viver e morrer em paz aqueles que têm a consciência excessivamente tranqüila.

Um comentário:

  1. essas palavras tão certas sabem-se extraordinariamente em casa na casa aberta e nossa atenção anda atenta de relaxada e lenta procurando pontos tantos e tres e quatro dez e mil enquanto houver quem conosco sinta essa dessintonia tao bela de recarregar a vida com a vida mesma entornada pelos cantos esgotos latrinas vielas nossos ouvidos gritam por vós vozes tão presentes nesta nossa orquestra reorquestrada a cada frase palavra som fio a fora

    ResponderExcluir

late!!!