"Como é que a cura pode provocar esse abjeto desejo de ser amado, esse desejo histérico e choramingão que nos faz ajoelhar, deitar no divã, ficar quietos e esperar?"
Certa vez, disseram a um pirata que se um nômade possui um
hábitat, só pode ser o deserto. A que deserto estariam se referindo, afinal? Àquele noturno, de frio extremo? Àquele diurno, de calor avassalador? Àquele que faz do corpo ali imergido infindáveis
léguas de vazio? Àquele em que o silêncio inexiste? Àquele que faz da fome um sintoma secundário frente às convulsões desesperadas ou eufóricas de quem vê vastidão por todos os lados? Àquele que embrutece, ameniza, envelhece, precariza, rejuvenece, estigmatiza? Que não tem fronteiras e torna muito tênues os limites entre a densidade e a sutileza? O deserto, agora, presente em cada passo... a cada passo, um deserto.
Sob o asfalto está a vida.
Há ainda quem se assusta diante daqueles que desmantelam as contruções imaginárias da distância num esforço voltado para encurtar as metragens. Piratas enfermos não querem ser adultos, tampouco querem ter de arcar com os papéis pré-construídos da juventude. São velhos quando querem ou quase sem querer, já que as tragadas do mundo primeiramente os envelheceu, desgaste que não consiste em mera escolha, mas que simplesmente acontece no acordar compulsório de todos os dias. São jovens quando
podem, uma vez que recuperar a vitalidade trucidada pelas escleroses rotineiras é algo que exige molejo e, mais ainda, potência canalizada. Uma juventude incapaz de tornar qualquer demanda perigosa é, a seu ver, completamente desnecessária, está morta. Pensar papéis revolucionários específicos para classes, idades, sexos? Mesmo que tudo já seja produto e circule em velocidades inimagináveis? Se o jovem de hoje é consumidor de primeira linha, cliente fiel que já não diferencia anseios fantasiosos de roncares de barriga? Na lógica do trabalho e do consumo isso não faz a mínima diferença.
São dilemas que apenas atestam algo já evidente: conosco e entre nós, um deserto ávido devorando, a todo momento, mediador e consistência de vida e morte em organismos frágeis, mas
nem sempre tão frágeis. Como crises ambulantes, enfermos são, em muito e como muitos,
também deserto.
Quem são os que miram o horizonte e perguntam o que a “molecada de hoje” tem feito para gerar novas perspectivas? Por sua resposta sempre contar quantos tostões foram gastos, entendamos a arapuca em que se resume a pergunta. Pode-se sugerir que respostas estejam por trás do tom irônico das gerações falidas. Velhos não suportam o fato de que a molecada herdou
deles o espírito resignado necessário à sobrevivência pacífica, o mofo contido nas suas exigências passadas, e agora somente confirma que “algo venceu”. Ora, quem dita as regras dessa guerra silenciosa e cheia de negociatas tão distantes de nós? A criança está na creche e o velho foi trabalhar.
Tudo na normalidade. Diante de nossas más caras, algo cheira a podre. Por trás de nossas máscaras,
NÓS SOMOS VOCÊ!